Compartilhe

Adoção feita sob CC de 1916 é passível de revogação antes da vigência do ECA

A adoção feita sob as regras do Código Civil de 1916 era passível de revogação consensual após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas apenas até sua substituição pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

Relatora do caso, Nancy Andrighi restabeleceu a sentença

Com base nessa premissa, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça restabeleceu sentença que declarou a ilegitimidade ativa do autor de uma ação de inventário, cuja adoção foi formalizada em junho de 1964, quando tinha dois anos de idade, e revogada em janeiro de 1990, de forma consensual entre ele então com 28 anos e seus pais adotivos.

O autor da demanda propôs a divisão dos bens deixados pelo pai adotante falecido, com a inclusão de seu nome no rol de herdeiros. Houve contestação dos outros filhos, que sustentaram que o CC de 1916, sob o qual ocorreu a adoção, permitia a revogação do ato. Ao ser ouvido em audiência, o adotado, apesar de admitir ter assinado a escritura pública de revogação da adoção, alegou que não tinha conhecimento de seu conteúdo.

Na primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa do autor, pois a revogação da adoção lhe retiraria a condição de herdeiro. A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que classificou a adoção como ato irrevogável.

A relatora do recurso dos demais herdeiros, ministra Nancy Andrighi, recordou que, ao tempo da lavratura da escritura pública de revogação da adoção (janeiro de 1990), consensualmente celebrada pelos pais adotivos e pelo recorrido, vigorava no Brasil um microssistema formado pelo CC de 1916 e pelo Código de Menores (Lei 6.697/79), especialmente porque o ECA, que viria a disciplinar exclusivamente a adoção e a revogar ambas as normas anteriores nesse particular, somente passou a vigorar em outubro de 1990.

Assim, a ministra entendeu que o ECA não deve incidir no caso, uma vez que se trata de diploma legal posterior ao negócio jurídico examinado. A partir dessa conclusão, a ministra passou a analisar o caso de acordo com as leis aplicáveis

No CC de 1916, a adoção tinha natureza de ato jurídico negocial entre os pais biológicos e os adotivos, de modo que se admitia a revogação, tanto de forma unilateral pelo adotado, até um ano após atingir a maioridade, e pelos adotantes, diante de um ato de ingratidão quanto por decisão bilateral e consensual.

Posteriormente, a Lei 4.655/1965 disciplinou a legitimação adotiva, uma modalidade de adoção expressamente irrevogável. O Código de Menores, instituído em 1979, estabeleceu as modalidades simples e plena de adoção, sendo esta última, de caráter irrevogável, introduzida com a função de substituir a legitimação adotiva.

No entanto, segundo Andrighi, a adoção plena caracterizada pela ruptura definitiva dos vínculos com os pais biológicos possuía uma série de pressupostos específicos. Diante desse cenário, "não se pode afirmar que a adoção concretizada na vigência do CC/1916 tenha automaticamente se transformado em uma adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores", razão pela qual a irrevogabilidade não pode ser aplicada à hipótese.

A magistrada também ressaltou que a revogação, ocorrida em 1990 de forma bilateral e consensual, de adoção celebrada na vigência do CC/1916 é compatível com o artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição de 1988, uma vez que a irrevogabilidade de qualquer espécie de adoção somente veio a ser introduzida no ordenamento jurídico com o artigo 39, parágrafo 1º, do ECA, regra que, aliás, tem sido flexibilizada pelo STJ, excepcionalmente, quando não atende aos melhores interesses da criança e do adolescente.

Por fim, ao restabelecer a sentença, a relatora pontuou que, apesar de o autor da ação de inventário ter alegado desconhecer o conteúdo do ato de revogação da adoção, ele já contava com 28 anos de idade na época e admitiu ter assinado o documento. Para Nancy Andrighi, a revogação da adoção, nas circunstâncias registradas no processo, representou uma manifestação de autonomia da vontade das partes, a qual deve ser prestigiada.

Fonte: ConJur

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
Prosseguir