Compartilhe

BHP faz acordo para não apoiar ação no STF sobre desastre de Mariana

A Justiça do Reino Unido homologou na segunda-feira (22/7) um acordo entre municípios afetados pela tragédia de Mariana (MG) e a BHP Billiton em que a empresa se compromete a não apoiar, nem fazer aportes adicionais para financiar uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) que corre no Supremo Tribunal Federal.

Caso envolve desastre causado por rompimento em barrangem da Samarco na cidade de Mariana (MG)

Nessa ação, o Ibram, que representa mineradoras brasileiras, questiona a participação de municípios em ações coletivas contra mineradoras que tramitam no Reino Unido e na Holanda. Nos processos estrangeiros, os municípios e outros 700 mil clientes brasileiros pedem indenização pelo desastre que ocorreu em 2015. A anglo-australiana BHP é uma das donas da Samarco, responsável pela barragem de Mariana.

No acordo, a BHP se compromete a não tomar medidas para processar, encorajar ou ajudar de qualquer forma o Ibram na ação que corre no Supremo, o que inclui fazer aportes financeiro adicionais.

O Ibram, que apresentou a ação no STF questionando a participação de municípios em processos no exterior, recebeu R$ 6 milhões da BHP para custear a atuação na corte brasileira. O valor teria sido pago para cobrir custos gerais relativos à arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada no mês passado (ADPF 1.178).

Segundo Raul Jungmann, diretor-presidente do Ibram, o valor foi pago para custear serviços jurídicos. “Os recursos repassados foram para a contratação de bancas de advocacia para fazer a defesa da causa no STF, o que é regra não só aqui, mas em qualquer outra associação”, afirmou durante coletiva do Ibram feita nesta quarta-feira (24/7).

Já Tom Goodhead, CEO da Pogust Goodhead, banca britânica que defende os municípios brasileiros no exterior, disse que o pagamento é “outra tentativa desesperada e dissimulada do BHP de minar os esforços das vítimas para obter reparação” nos processos que correm no Reino Unido e na Holanda.

“Eles desperdiçaram o tempo e os recursos do Tribunal e das vítimas que aguardam quase uma década por justiça para o pior desastre ambiental que o Brasil já viu. A BHP tentou todas as manobras sujas possíveis para parar as vítimas e é justo que os diretores da BHP agora enfrentem a prisão se não pararem”, afirmou em nota enviada à ConJur.

Entenda

No exterior, os municípios são defendidos pela banca britânica Pogust Goodhead. O escritório atua fora do Brasil em ações coletivas movidas contra a BHP e subsidiárias da Vale, pedindo indenizações por prejuízos causados pelo desastre ambiental de Mariana.

Trata-se de uma das maiores ações de litígio da Justiça britânica: a Pogust Goodhead representa cerca de 700 mil clientes brasileiros entre pessoas físicas, 46 municípios e organizações religiosas, autarquias e empresas em uma disputa em que pede cerca de R$ 230 bilhões à BHP. à BHP.

A ação coletiva corre em Londres desde 2018, e o julgamento deve ter início ainda neste ano, a despeito de processos semelhantes também estarem sob análise da Justiça brasileira.

Na ação que corre no Supremo, o Ibram afirma que a Constituição define como competência exclusiva do Senado autorizar operações financeiras no exterior, o que inclui litígios internacionais. Também diz que o caso envolve fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira e que a participação em disputas no exterior viola a soberania nacional.

A banca, por outro lado, é acusada de atuar para impedir o andamento do caso no STF. Ela argumenta que o Ibram tenta prejudicar o direito dos atingidos e dos municípios de buscar justiça fora do Brasil contra as mineradoras e diz que o Supremo não deve analisar o caso.

Os processos contra multinacionais não tratam só de episódios ocorridos no Brasil e se transformaram mesmo em um modo de levantar dinheiro.

Em 2023, a banca recebeu um empréstimo de cerca de R$ 2,7 bilhões de um fundo de investimento dos Estados Unidos. Em apresentação a investidores, o fundo informou que o empréstimo teria juros de 17,75%, segurados pela disputa ambiental no Brasil e por ações na Alemanha envolvendo montadoras que teriam fraudado dados de emissão de CO2 de veículos.

A atuação do escritório é alvo de uma representação de cinco escritórios de advocacia brasileiros perante a OAB. Assinaram o pedido Machado Meyer, Mattos Filho, BMA, Sérgio Bermudes e ALNPP.

Os escritórios afirmam que o Pogust e seus parceiros obtiveram financiamento para aumentar o valor da causa nos processos. Também levantam suspeitas sobre a captação ativa de clientes. O processo ético-disciplinar que corre na OAB está sob sigilo.

“Ação desnecessária”

Em nota enviada à revista eletrônica Consultor Jurídico, a BHP Brasil afirma que considera desnecessária a ação que corre na Inglaterra, uma vez que “duplica questões já cobertas pelas ações existentes e em andamento no Brasil”.

“A BHP Brasil é associada ao IBRAM, instituição que representa os interesses da indústria da mineração no Brasil. IBRAM iniciou a ADPF 1178 para tratar de questão constitucional cuja relevância já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Os termos ajustados pela BHP na Inglaterra sobre esse tema visam endereçar questões específicas naquela jurisdição, e espera-se que a ADPF 1178 prossiga seu curso normal no Supremo Tribunal Federal.

A BHP nega os pedidos formulados no caso da Inglaterra em sua totalidade, e considera a ação desnecessária, uma vez que duplica questões já cobertas pelas ações existentes e em andamento no Brasil, sob a supervisão dos tribunais brasileiros.”

‘Indústria da tragédia’

Já o Ibram, também em nota, afirma que as mineradoras brasileiras Vale e Samarco estão sofrendo ataques no exterior e que a participação de municípios em ações estrangeiras viola a soberania nacional.

A entidade diz que a banca britânica que atua nos processos é membro da “indústria da tragédia”, pois lucraria com a desgraça alheia. A nota não comenta o acordo da BHP e nem os R$ 6 milhões pagos pela empresa.

“Uma banca de advocacia estrangeira, sediada em Londres, Inglaterra, e um fundo abutre, ambos amplamente identificados como membros da indústria da tragédia, ou seja, como defensores de causas alheias em proveito e ganhos próprios, agiram para instaurar causa similar em corte de Londres e na Holanda, em flagrante desrespeito ao sistema de Justiça brasileiro, à nossa Constituição e à soberania nacional”, afirma o instituto.

O Ibram também diz que os processos internacionais desrespeitam a Constituição e representam uma “agressão sem precedentes na nossa história recente”.

“Por fim, o fundo abutre e a banca associada, simulando desinteresse, e em defesa dos atingidos, ficariam, em caso de vitória, com a parte do leão das indenizações propostas a 60 municípios e mais de 700 mil pessoas, aos quais concederiam as sobras, nada mais do que migalhas, usando as vítimas como marionetes para objetivos inconfessáveis. Compensações e indenizações, sem dúvida, são justas e devidas, mas a serem determinadas pela justiça do Brasil.”

Fonte: ConJur

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
Prosseguir