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Carf analisa tributação dos lucros distribuídos por empresas no Lucro Presumido Caixa

Na coluna desta semana, abordaremos os precedentes do Carf acerca da tributação ou não pelo IRPF dos valores distribuídos a título de lucros que ainda não foram tributados na pessoa jurídica em virtude da adoção da sistemática de apuração do Lucro Presumido pelo regime de caixa.

Ao tratar da vedação ao regime do Lucro Presumido para as pessoas jurídicas que tiverem receita bruta superior a R$ 78 milhões no ano-calendário anterior, o artigo 13, §2º, da Lei n. 9.718/98 determina que tal limite será considerado segundo o regime de competência ou de caixa, observado o critério adotado pela pessoa jurídica.

Como consequência de tal previsão, nota-se que na sistemática de apuração do IRPJ pelo Lucro Presumido, a pessoa jurídica pode optar por apurá-lo pelo regime de competência ou pelo regime de caixa.

Nesse sentido, os artigos 215, §9º, e 223 da Instrução Normativa RFB n. 1.700/17 estabelecem que o lucro presumido será determinado pelo regime de competência ou de caixa, sendo que a pessoa jurídica que adotar o critério de reconhecimento de suas receitas na medida do recebimento e mantiver a escrituração do livro Caixa deverá indicar, nesse livro, em registro individual, a nota fiscal a que corresponder cada recebimento.

Com relação aos documentos que deverão ser mantidos pela empresa optante pelo Lucro Presumido, o parágrafo único do artigo 45 da Lei n. 8.981/95 prevê que a manutenção da escrituração contábil não se aplica à pessoa jurídica que, no decorrer do ano-calendário, mantiver livro Caixa, no qual deverá estar escriturado toda a movimentação financeira, inclusive bancária.

Embora a legislação tributária não preveja obrigatoriedade de escrituração contábil para as pessoas jurídicas tributadas na sistemática do Lucro Presumido segundo o regime de caixa, vale destacar que o artigo 1179 do Código Civil estabeleceu tal obrigatoriedade ao empresário e às sociedades empresárias.

Ainda que não houvesse uma norma expressa antes do Código Civil instituindo tal obrigatoriedade, o artigo 10 da Lei n. 9.249/95 já induzia a necessidade de escrituração contábil para que os lucros ou dividendos pudessem ser distribuídos com isenção de IRRF e fossem considerados como não tributáveis pelos seus beneficiários, uma vez que o referido dispositivo legal se referia aos “lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados”, sendo que a apuração de resultados advém da escrituração contábil, que é feita de acordo com o regime de competência, nos termos do art. 177 da Lei das Sociedades por Ações.

O cerne da discussão deste artigo decorre exatamente da assimetria entre o resultado contábil que serviu de base para apuração dos lucros pelo regime de competência e a base de cálculo do Lucro Presumido no regime de caixa, que foi utilizada para a tributação do IRPJ.

Como consequência, há autuações das autoridades fiscais em casos em que o montante distribuído a título de lucros apurados contabilmente foi superior à base de cálculo do IRPJ na sistemática do Lucro Presumido pelo regime de caixa.

No âmbito do Carf, é possível identificar acórdãos com entendimentos distintos. No acórdão 2202-003.018 (10/03/2015), entendeu-se, por voto de qualidade, que não seria possível a fruição da isenção sobre os lucros distribuídos diante da incongruência entre a tributação pelo Lucro Presumido pelo regime de caixa e o uso da contabilidade pelo regime de competência para distribuição de lucros. No caso em análise, o relator menciona que a empresa não mantinha contas específicas em sua contabilidade para controlar os valores efetivamente recebidos, o que poderia revelar um descumprimento das obrigações contábeis.

Houve declaração de voto, na qual restou claro que não há vedação legal a tal tratamento tributário assimétrico, bem como no referido caso a contabilidade estava regular, de modo que o lucro foi apurado corretamente.

No acórdão 2201-003.677 (07/06/2017), decidiu-se, por maioria de votos, que não há incidência do IRPF sobre os valores distribuídos aos sócios, excedentes ao lucro presumido da pessoa jurídica, quando a fonte pagadora é tributada pelo lucro presumido segundo a sistemática do regime de caixa, desde que a escrituração contábil da empresa aponte a existência de lucro superior ao presumido.

No voto vencido, o relator destaca o seu entendimento de incompatibilidade entre a tributação pelo regime de caixa e a distribuição de resultados contábeis de acordo com o regime de competência. Por outro lado, no voto vencedor, o redator designado assinala que tal incongruência é garantida em lei, sendo que o critério para distribuição do lucro é a existência do próprio lucro contábil.

Por sua vez, no acórdão 2301-005.492 (07/08/2018), decidiu-se, por voto de qualidade, que a isenção dos lucros distribuídos não se aplica quando a tributação pelo lucro presumido ocorre com base no regime de caixa e o lucro contábil tenha sido apurado sob o regime de competência.

No voto vencedor, o redator designado assevera que a isenção do artigo 10 da Lei n. 9.249/95 somente se aplica quando o lucro presumido seja apurado sob o mesmo fundamento do lucro contábil, isto é, pela aplicação do princípio da competência, pois essa era a única possibilidade de apuração no lucro presumido quando do advento da norma legal. Ademais, manifestou o entendimento de que o reconhecimento contábil de receitas de empresas imobiliárias deveria ser necessariamente pelo regime de caixa por conta do artigo 30 da Lei n. 8.981/95.

Por sua vez, no voto vencido e em declaração de voto, foi ressaltado que o artigo 30 da Lei n. 8.981/95 é norma tributária, não devendo ser utilizada para fins de escrituração contábil. Ademais, destacou-se que houve uma opção do legislador por permitir a distribuição com isenção dos resultados apurados, independentemente de eles terem sido totalmente ofertados à tributação. Caso contrário, se somente fosse permitida a distribuição com isenção dos resultados integralmente tributados, acabariam os incentivos à tributação pelos regimes do Lucro Presumido e Simples Nacional.

Nessa linha, o entendimento manifestado no voto vencido e na declaração de voto é no sentido de que somente poderia haver tributação pelo IRPF dos lucros distribuídos, na hipótese em que a fiscalização conseguisse comprovar que os resultados apurados foram fraudulentos ou irreais, o que não aconteceu no caso analisado.

Mais recentemente, a Câmara Superior (acórdão 9202-007.835) deu provimento ao recurso especial do procurador para reformar o já mencionado acórdão 2201-003.677 (07/06/2017), decidindo, por maioria de votos, que a apuração do lucro presumido, tributado pela pessoa jurídica, e o lucro excedente ao presumido, apurado com base na escrituração, devem observar o mesmo critério de reconhecimento de receitas.

O voto vencido do acórdão 9202-007.835 acolheu as mesmas razões de decidir do voto vencedor do acórdão 2201-003.677, enquanto o voto vencedor do acórdão da Câmara Superior adotou os mesmos fundamentos do voto vencido do acórdão reformado.

Diante do exposto, nota-se que há decisões em sentidos diferentes. Embora não exista previsão legal de que haverá isenção de IRPF sobre apenas os lucros distribuídos efetivamente tributados, é possível verificar que tal assimetria incomodou parte dos conselheiros, na medida em que, nos precedentes analisados, há sempre votos vencedores e vencidos, além de declarações de voto.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

Alexandre Evaristo Pinto é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

Fonte: Conjur

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