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Carf define efeitos do usufruto de ações no pagamento de juros sobre capital próprio

Na coluna desta semana, abordaremos tema envolvendo os juros sobre capital próprio - JCP, mas não a respeito de sua dedutibilidade em seus aspectos mais comuns no CARF– análise já realizada pelo colunista Carlos Augusto Daniel Neto com a maestria que lhe é habitual: analisaremos a jurisprudência do CARF nos casos de usufruto de ações, tanto sob a ótica da fonte pagadora quanto em relação aos beneficiários desse rendimento.

Antes de iniciarmos a análise dos precedentes do CARF sobre o tema, faz-se necessária uma breve abordagem sobre as questões teóricas atinentes à matéria.

De acordo com o art. 9º da Lei nº 9.249/95, a pessoa jurídica poderá deduzir, na apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da TJLP.

Sob o ângulo dos beneficiários do pagamento de JCP, os §§ 2º e 3º do art. 9º da Lei nº 9.249/95 determinam que haverá retenção na fonte de 15% na data do pagamento ou crédito ao beneficiário, sendo a tributação definitiva em caso de beneficiário pessoa física ou pessoa jurídica isenta, ou antecipação do devido no caso de pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, sendo que, no caso dessas duas últimas formas de tributação, tais valores deverão ser adicionados integralmente às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL (§ 4º).

Nos casos sob exame, o Fisco deparou-se com hipóteses em que acionistas não teriam registrado como receitas suas parcelas de JCP disponibilizados pela sociedade investida. Em resumo, argumentam que os juros sobre capital próprio somente poderiam ser pagos aos acionistas das pessoas jurídicas, cabendo-lhes oferecer à tributação os respectivos rendimentos.

Os autuados (acionistas), por sua vez, arguem que os frutos do investimento não mais lhe pertenceriam, haja vista constituição de usufruto em favor de terceiros, ou seja, na condição de nu-proprietários poderiam dispor das respectivas ações, contudo, competiria aos usufrutuários fruir dos frutos das ações objeto de usufruto, no caso, dos juros sobre o capital próprio creditados e/ou pagos pela pessoa jurídica investida.

Em relação ao usufruto, convém relembrar que esse pode recair sobre bens móveis ou imóveis, sobre um patrimônio inteiro ou parte dele, estendendo-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos. Por fim, sua transferência não se pode dar por alienação, sendo lícito, contudo, ceder-se seu exercício a título gratuito ou oneroso.

Nos termos do art. 1.394 do Código Civil, o usufrutuário tem direito à
posse, uso, administração e percepção dos frutos e, em caso de título
de crédito com usufruto, o detentor do usufruto terá direito a perceber
os frutos e a cobrar as respectivas dívidas (art. 1395).

Feita essa pequena introdução, passamos à análise dos precedentes do CARF a esse respeito.

No Acórdão 1402-002.445 (sessão de 10/04/2017), consta no voto vencedor que legislador optou por permitir uma forma mista de remuneração do capital para os investidores, quais sejam, dividendos e juros sobre capital próprio, destacando-se, contudo que essa divisão não seria meramente acadêmica ou didática, daí resultando distintos efeitos tributários. Salienta-se ainda que, embora tenham por fim remunerar o capital dos investidores, lucros e JCP teriam contornos legais e tributários distintos, não podendo ser considerada a natureza do JCP como semelhante a de dividendos.

Argumenta ainda o relator não haver dúvidas que ao usufruto e aos usufrutuários aplicam-se as normas expressas na legislação civil. No caso concreto, porém, entendeu não ser o caso de aplicação dos arts. 109 e 110 do CTN, pois não deveriam ser aplicados princípios gerais de direito privado no âmbito do direito tributário, tampouco não haveria que se falar em hipótese de a legislação tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, nos termos dos citados dispositivos. Isso porque a autoridade fiscal teria aplicado na realização do lançamento legislação própria e específica da seara tributária, e não de natureza civil, não se tratando de desvirtuação, modificação ou alteração de conceitos e formas de direito privado para imputar obrigações tributárias.

Nesse sentido, considerando-se que o art. 9º da Lei nº 9.249/95
somente admitiria o pagamento de JCP a titular, sócios ou acionistas da
pessoa jurídica investida, não haveria que se aplicar os dispositivos da
Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A) no que diz respeito aos aspectos
aplicáveis aos dividendos, até mesmo porque esse diploma legal jamais
teria abordado o tratamento a ser dado ao JCP, tampouco a legislação
civil no que atine ao usufruto. Desse modo, concluiu que o lançamento
realizado tendo como sujeitos passivos os acionistas, ainda que na
condição de nu-proprietários das ações, estaria correto pois a eles é
que o JCP seria devido.

Contudo, tal entendimento não prosperou naquele colegiado, tendo os demais conselheiros acompanhado o voto divergente no sentido de que a exigência não poderia ser mantida.

Segundo o voto condutor do aresto, em primeiro lugar, não caberia a discussão sobre a tributação do JCP nos nu-proprietários em razão de os rendimentos em questão não terem sido a eles pagos ou creditados: quem efetivamente recebera o JCP foram os usufrutuários e, na ausência de acusação de simulação quanto aos reais beneficiários do rendimento, não haveria como se imputar aos acionistas (nu-proprietários) a tributação sobre rendimentos que, ainda que a eles fizessem jus, jamais chegaram a auferi-los.

Além disso, citando diversos artigos da Lei das S/A que tratam sobre a possibilidade de usufruto de ações, concluiu que o art. 205 dessa mesma norma seria claro ao determinar que os dividendos serão pagos ao usufrutuário da ação. Ainda que reconhecendo a distinção entre JCP e dividendos, concluiu que JCP deve ser atribuído ao usufrutuário, e não ao nu-proprietário. Para chegar a tal conclusão, destacou que o § 7º da Lei nº 9.249/95 determina que o valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de JCP, poderá ser imputado ao valor dos dividendos obrigatórios de que trata o art. 202 da Lei das S/A. Por decorrência, caso prevalecesse o raciocínio do relator de que os JCP devem ser pagos aos acionistas (nu-proprietários) e não aos usufrutuários, não seria possível a aplicação do § 7º do art. 9º da Lei nº 9.249/95 pois, se o JCP fosse imputado a dividendo obrigatório estar-se-ia diante de um impasse intransponível, pois, ao contrário dos dividendos, o JCP não poderia ser pago aos usufrutuários. Nesse contexto, argumenta que caso o legislador tributário quisesse impossibilitar que o JCP fosse pago ao usufrutuário não teria editado o § 7º do art. 9º da Lei nº 9.249/95, citando, inclusive, o art. 202 da Lei das S/A, inserto no capítulo destinado aos dividendos.

Por fim, conclui que não há que se falar em convenção particular oposta à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes (art. 123 do CTN), tratando-se tão somente de efeitos advindos de normas de direito privado, e não de convenção particular. Desse modo, não possuiriam o condão de alterar a definição legal do sujeito passivo da obrigação tributária, fulminando-se, assim, integralmente a exigência tributária.

Esse mesmo entendimento vem prevalecendo em inúmeros julgados. No Acórdão de 1301-003.510 (sessão de 22/11/2018), por exemplo, decidiu-se que é lícita a percepção de juros sobre capital próprio pelo usufrutuário de ações, à semelhança do que ocorre com o recebimento de dividendos, não podendo essa prática ser considerada como planejamento tributário abusivo. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, no Acórdão 1103-001.123, concluiu-se que sob a ótica do artigo 205 da Lei das S/A, os resultados provenientes das participações societárias incluem dividendos e juros sobre capital próprio, de modo que, sendo instituído usufruto, os valores correspondentes ao JCP se destinarão ao usufrutuário, também titular da ação.

Alinhando-se a essa linha de interpretação, consta no Acórdão 1401-002.081 (sessão de 20/09/2017) que em virtude da reserva de usufruto dos direitos econômicos, a titularidade dos rendimentos provenientes dos JCP é dos usufrutuários das ações, razão pela qual não há que se falar no reconhecimento de receitas de JCP pelo nu-proprietário. Concluiu-se ainda que no caso dos rendimentos pagos ou creditados a título de lucros/dividendos e de JCP, o legislador tributário deixou de atribuir ao instituto do usufruto efeitos tributários específicos, o que implica remeter o intérprete aos efeitos típicos decorrentes do direito privado. Esclareceu-se ainda que as normas que estabelecem exceções à tributação ordinária devem ser interpretadas de maneira estrita, não comportando ampliação de conteúdo ou emprego de analogias, assim como inviável também a utilização pelo intérprete de exegese restritiva para o fim de distinguir onde a lei não distingue.

Já no Acórdão 1402-003.3581 a autoridade fiscal optou por glosar a despesa contabilizada como JCP na investida em razão do registro dessa despesa financeira tendo como beneficiários os usufrutuários de suas ações. Para a Fiscalização, somente o valor pago ou creditado a acionista poderia ensejar o registro de JCP como rubrica dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

Analisando o recurso voluntário apresentado, em maioria apertada, o
colegiado negou-lhe provimento, mantendo a jurisprudência que vem se
consolidando no âmbito do CARF sobre o tema, ou seja, concluindo ser
possível o pagamento de JCP aos usufrutuários das ações da investida,
aplicando-se ao JCP os mesmos efeitos civis relativos ao usufruto e
previstos para os dividendos.

Conforme se observa, no âmbito da 1ª
Seção de Julgamento, os precedentes sobre o tema denotam uma
uniformidade de entendimento entre as turmas ordinárias no sentido de
que se aplica ao JCP o instituto do usufruto, sendo dedutíveis na
investida, salvo em caso de simulação, os juros pagos aos usufrutuários
de ações, e insuscetível de tributação o nu-proprietário que
efetivamente não auferir renda oriunda de JCP, uma vez que esses
rendimentos devem ser pagos ou creditados aos usufrutuários das ações.

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

Fernando Brasil de Oliveira Pinto é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

Fonte: Conjur

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