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Carf diverge sobre tributação do ganho de AVJ não controlado em subconta vinculada

Na coluna de hoje, trataremos de uma questão bastante recente no Carf, e que se relaciona diretamente às modificações introduzidas na legislação do IRPJ e da CSLL, pela Lei nº 12.973/2014: a tributação de ganhos decorrentes de AVJ não controlado por meio de subconta vinculada ao ativo ou passivo. Antes de avançar sobre o tema, calha fazermos uma breve contextualização.

No Brasil, a adoção dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS), por meio da Lei nº 11.638/2007, afetou diretamente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Para mitigar os impactos dessas alterações sobre os contribuintes, criou-se o Regime Tributário de Transição (RTT), pela Lei nº 11.941/2009, estabelecendo, para fins fiscais, um regime de neutralidade das alterações promovidas pela Lei nº 11.638/2007, mantendo-se os parâmetros de apuração dos tributos vigentes em dezembro de 2007.

Nesse contexto, a Lei nº 12.973/2014 veio justamente
fazer a adequação definitiva da legislação tributária às normas
societárias e contábeis vigentes no país, extinguindo o RTT e firmando
uma nova forma de apuração do IRPJ e da CSLL.

Ocorre que um dos critérios de mensuração de elementos patrimoniais que passou a ser adotado com o padrão IFRS foi o da avaliação a valor justo (AVJ) (em substituição ao critério do custo de aquisição), definido no Pronunciamento CPC 46 como “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”. Com isso, buscou-se evidenciar de maneira mais precisa a capacidade de geração de fluxo de caixa de cada elemento patrimonial, apresentando-se seu valor atual, e não aquele histórico.

Sob a perspectiva fiscal, entretanto, optou-se expressamente, por meio do art. 13 da Lei nº 12.973/20141,
pela manutenção de uma neutralidade fiscal (ou seja, a sua não inclusão
no lucro real) dos ganhos decorrentes da avaliação de elementos
patrimoniais com base no valor justo, desde que o respectivo aumento
no valor do ativo ou a redução no valor do passivo seja evidenciado
contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo
.

É
de se ressaltar, que esse controle do AVJ em subconta é uma imposição
da legislação fiscal, e não das práticas contábeis, posto como uma
condição para o diferimento da tributação dos ganhos
evidenciados por esse modelo de mensuração de elementos patrimoniais.
Caso não se faça esse controle, o art. 13, §3º, da Lei nº 12.973/2014,
estabelece que o ganho seja imediatamente tributado e, mais ainda,
dispõe que ele não pode ser utilizado para reduzir o prejuízo fiscal do
período corrente.

Pois bem, enfrentaram-se, no âmbito do Carf, autuações fiscais baseadas na ausência de controle do AVJ por meio das subcontas vinculadas aos elementos patrimoniais.

No primeiro caso localizado, julgado pelo Acórdão nº 1402-003.5892 (que não tratava especificamente da aplicação do art. 13 da Lei nº 12.973/2014, mas sim do art. 66 da mesma lei3, que estabelecia a adoção inicial das novas regras), no qual, por maioria de votos, afastou-se a cobrança de IRPJ e CSLL,
sob o argumento de que o ganho de AVJ indica, sim, um acréscimo
patrimonial, mas que ele não gozaria de disponibilidade econômica ou
jurídica, necessária para fins de tributação, de acordo com o art. 43 do
CTN4. Ademais, o relator apontou que o contribuinte juntou laudo de consultoria
evidenciando que não teria havido qualquer prejuízo ao Erário pela
falta de controle do AVJ em subcontas, encampando a tese de que esse
registro seria apenas uma obrigação acessória, não avançando sobre a aplicação ou não do art. 13, §3º da Lei nº 12.973/20145.

Ressalte-se, também, que o relator invoca as razões aduzidas no Acórdão nº 1402-002.5016.
Não obstante, nessa decisão se discutia a tributação de valores
registrados em reserva de reavaliação, inclusive pontuou o relator, com
acerto, que ela “não se confunde com a avaliação a preço justo,
sendo instituto alheio às previsões contidas na Lei nº 12.973/2014,
mesmo quando utilizadas para fins hermenêuticos.
”.

Em outro caso, julgado no Acórdão nº 1301-004.0917, o Recurso Voluntário foi rejeitado, por voto de qualidade.

Nele, a autuação se baseou propriamente no art. 13 da Lei nº 12.973/2014, adotando a relatora integralmente os fundamentos do Acórdão nº 1402-003.589. De maneira complementar, aduz que não obstante a regra expressa que determine a criação de subcontas, ela deve receber uma interpretação finalística, como meio de controle efetivo dos valores diferidos, “a fim de atestar que as adições e exclusões pertinentes sejam realizadas nos montantes adequados”, aduzindo que a empresa juntou laudo atestando a inocorrência de dano ao Erário.

O voto vencedor, entretanto, aduz que para o ano-calendário de 2015 (objeto da autuação) não haveria mais que se falar na neutralidade tributária estabelecida pela Lei nº 11.941/2009, vez que vigente e eficaz o novo regime fiscal. Diante disso, esclarece que a legislação é categórica em afirmar que na ausência do AVJ controlado em subcontas, o efeito tributário é a imediata tributação desses valores, e que eventual entendimento de incompatibilidade entre esse regime e o art. 43 do CTN e o conceito de renda, pressuporia a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 12.973/2014, o que é vedado aos conselheiros do Carf (Súmula Carf nº 02).

Ademais, o redator designado entendeu, ainda, que não
haveria inconstitucionalidade dessa norma, tendo em vista que a
reavaliação espontânea de ativos sempre esteve sujeita à sua tributação
imediata, exceto nos casos em que o legislador condicionasse a não
incidência de IRPJ e CSLL, nesse momento, pelo seu controle de algum
modo específico, como na conta de reserva de reavaliação, conforme
regime estabelecido nos arts. 434, 436 e 437 do RIR/99. Ressalta,
também, que o art. 438 do RIR/99 prevê a tributação da reavaliação de
participações societárias independente da adoção de qualquer controle,
demonstrando que a ordem jurídica não é incompatível com a tributação da
renda sem realização.

Por fim, acrescenta que a
existência de laudos atestando que não houve prejuízo ao Fisco não
altera o panorama estabelecido por expressa disposição legal,
ressaltando que esse controle tem a finalidade de permitir ao Fisco
controlar a evolução do valor desses ativos e passivos ao longo do
tempo, sem necessidade de abertura de procedimentos fiscais, fomentando a
eficiência da atividade fiscalizatória.

No Acórdão nº 1401-003.8738, foi dado provimento ao recurso do contribuinte por maioria de votos. A relatora pontua que, apesar do contribuinte não realizar o controle do AVJ por meio das subcontas estabelecidas pela Lei nº 12.973/2014, ele teria mantido esse registro em conta de “Ajuste de Avaliação Patrimonial Imobilizado”, e que, portanto, a acusação fiscal seria falsa9. Ademais, ela aponta que o contribuinte apresentou laudo técnico identificando o custo de aquisição dos bens, seu valor justo e a contabilização do IRPJ e CSLL diferidos, demonstrando que, ainda que não na forma determinada pela legislação, havia um controle contábil do AVJ.

Ressalta também que, mesmo que não houvesse o controle, a ausência da subconta não ensejaria a tributação, invocando o Acórdão nº 1402-003.589,
por se tratar de mera expectativa de ganho, e não renda realizada,
cabendo apenas multa por descumprimento de obrigação acessória.

Pois
bem, como se vê, atualmente há poucos acórdãos sobre esse relevante
tema, na jurisprudência do Carf, mas já se verifica a existência de
franca divergência entre as turmas ordinárias das Câmaras Baixas.

Parte dela decorre da premissa de que a obrigação de controle do AVJ em subcontas vinculadas seria uma espécie de obrigação acessória, de modo que o seu descumprimento geraria apenas a incidência de multa. Por outro lado, há uma linha que aduz, a despeito de ser uma obrigação acessória, a legislação federal estabeleceu consequências claras para a sua infringência, qual seja a tributação imediata do valor.

Há, também, menção em todos os acórdãos à
apresentação de laudos contábeis que evidenciem a inocorrência de
qualquer prejuízo ao Erário, sem, entretanto, que as decisões se
aprofundem em esclarecer de que modo tais documentos evidenciam isto,
mormente à luz da premissa adotada de que o controle em subconta seria
uma obrigação acessória, no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos, nos termos do art. 113, §2º, do CTN, cujo descumprimento,
em regra, não ofende diretamente os cofres públicos. Essa
discussão é assaz relevante, tendo em vista que o laudo foi utilizado
como fundamento para afastar a aplicação do art. 13, §3º, da Lei nº
12.973/2014, aos casos concretos.

De certo modo, pode-se dizer que há um conflito entre uma interpretação formal e literal da legislação, e uma interpretação consequencialista, que flexibiliza a aplicação do dispositivo em razão da comprovação de ausência de dano ao Erário.

Diante disso, resta-nos acompanhar o deslinde dessa discussão nas demais turmas das Câmaras Baixas e, especialmente, na Câmara Superior de Recursos Fiscais, em razão da evidente divergência de interpretações.

Carlos Augusto Daniel Neto é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação."

Fonte: ConJur

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