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Citar réu absolvido por chacina no Linha Direta gera indenização, diz STJ

Ainda que não se reconheça a existência do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico, ao citar no programa Linha Direta um acusado de participar da chacina da Candelária que foi absolvido, a TV Globo cometeu excesso no exercício da liberdade de informação. Logo, deve indenizar pelos danos morais.

Um dos casos trata da chacina da Candelária, no RJ, retrata pelo programa Linha Direta, da Globo

Com essa conclusão, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ratificou a condenação da emissora a pagar R$ 50 mil pelos danos morais contra o homem. O julgamento foi concluído nesta terça-feira (9/11) por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Luís Felipe Salomão.

O caso foi o primeiro em que o STJ aplicou a tese do direito ao esquecimento, em 2013. A Globo recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que em fevereiro de 2021 fixou tese no sentido de que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal.

A tese traz uma segunda parte indicando que "eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".

É justamente nesse ponto que, segundo a 4ª Turma, a Globo pecou contra o homem.

O autor da ação esteve entre um dos acusados de cometer o crime que chocou o país em janeiro de 1993, quando policiais à paisana abriram fogo contra as cerca de 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro.

Ele foi preso, denunciado e absolvido pelo Tribunal do Júri. Quando a Globo quis retratar o episódio no Linha Direta, foi procurado pela emissora e manifestou sua expressa vontade de não ser citado no programa. Mesmo assim, teve nome e imagem exibidos.

Na ação, pediu indenização porque sua imagem no programa reascendeu na comunidade onde reside a imagem de chacinador e provocou ódio social e ameaças de morte. Ao fim, teve que se mudar de residência.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, está configurado o abuso cometido pela emissora. Embora a reportagem tenha retratado o episódio de forma fidedigna, o homem não teve sua imagem de inocentado reforçada, mas sim de indiciado.

"No caso, permitir nova veiculação do fato com a indicação precisa do nome e imagem do autor significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade", concluiu o ministro Salomão.

Ministro Salomão apontou que citação desnecessária em programa sensacionalista causou dano indenizável, segundo o STF

Cadê o dano?
O ministro Raul Araújo abriu a divergência nesta terça-feira, em voto-vista que retomou o julgamento. Relembrou que a petição inicial e as instâncias ordinárias não trouxeram qualquer apontamento de abusos do direito de informar por parte da Globo.

O que se fez, em disso, foi aplicar a tese do direito ao esquecimento tese essa que agora é inaplicável, como decidiu o Supremo.

“O único excesso foi ter anunciado o nome e ter mostrado o rosto do autor. Ao contrário, foi reconhecido não haver abuso do direito de informação e que a emissora não faltou com a verdade ao narrar os fatos, nem se reportou a eles de maneira desrespeitosa. O próprio recorrido disse que a causa de pedir era apenas a veiculação dos fatos sem a sua autorização, com graves consequências, excluindo-se a existência de afirmações falsas ou injuriosas”, disse.

Portanto, divulgar nome e imagem de uma pessoa indiciada pelo crime e que foi posteriormente absolvida, ainda que sem autorização da mesma, não caracteriza por si só conduta ilícita. Sem abuso ou adjetivações sobre o citado, não há ilícito. Por isso, propôs a retratação para julgar improcedente a ação.

Divulgar nome e imagem de uma pessoa indiciada, por si só, não gera dano, divergiu o ministro Raul Araújo

Sensacionalismo
Ao acompanhar o relator, a ministra Isabel Gallotti destacou que o programa Linha Direta era mais do que um programa de reportagens jornalísticas. Ele não abordava notícias do dia, mas episódios marcantes, que eram exibidos em vídeos especiais em horário nobre e com caráter fortemente sensacionalista.

“A divulgação desse fato, que virou evento histórico e não pode, nem deve ser esquecido, poderia muito bem ter sido feita sem mencionar o nome e a imagem desta pessoa que sofreu o processo e terminou absolvido”, afirmou. “Em se tratando de programa de TV, poderia até haver atores que representassem cada um dos processados”, sugeriu.

Para ela, o excesso praticado pela Globo não está em noticiar algum fato supostamente inverídico ou em adjetivar o autor da ação de forma negativa. “Basta mostrar a figura do autor e o seu nome em horário nobre de televisão, o que me parece inteiramente desnecessário para que se narre o fato histórico ocorrido”, afirmou.

O ministro Antonio Carlos Ferreira também votou com o relator. Disse que o acórdão inicial passou longe de simplesmente aplicar a tese do direito ao esquecimento: fez uma avaliação do caso concreto sobre a informação desnecessária transmitida pela Globo e que causou dano ao autor da ação.

Ao completar a maioria formada, o ministro Marco Buzzi citou “a receptividade do homem médio” a reportagens como as do Linha Direta, pela qual foi possível reascender uma desconfiança geral quanto à índole do homem, ainda que inocentado criminalmente pelos atos. A imagem que ficou foi a de indiciado, não de inocente. “Ela por si só causa grande clamor. É de um sensacionalismo inegável”, concluiu.

Em se tratando de programa de TV, poderia usar atores para retratar cada processado, sugeriu a ministra Isabel Gallotti

Mais juízo de retratação
Esse é o primeiro julgamento que o STJ recebe de volta do STF para eventual juízo de retratação. Outro caso já liberado pela vice-presidência da corte é o Recurso Especial 1.660.168, que será enfrentado pela 3ª Turma.

Em 2018, o colegiado aplicou o direito ao esquecimento para obrigar Google, Yahoo e Microsoft a filtrar resultados em suas páginas de busca referentes às suspeitas de fraude em concurso para magistratura que teria sido praticada por uma promotora.

Também nesse caso, a autora da ação foi inocentada esta, pelo Conselho Nacional de Justiça, que reconheceu problemas no método adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e até emitiu recomendações para os concursos seguintes. Ainda assim, quaisquer buscas de seu nome na internet a vinculavam diretamente às acusações.

Fonte: ConJur

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