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Para Gilmar, Estado deve provar que não é culpado por morte em operação policial

Se houver morte em operação policial e o Estado não comprovar que a iniciativa foi legal e que não tem culpa pelos danos, deverá indenizar os familiares da vítima. Com esse entendimento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes votou nesta terça-feira (7/2) para condenar o estado do Rio de Janeiro a pagar reparações aos parentes de um homem que morreu após ser atingido por bala durante tiroteio entre policiais e supostos traficantes.

Gilmar disse que operações policiais são são 'desproporcionalmente letais' no país

Porém, o julgamento da 2ª Turma do STF foi suspenso a pedido do ministro Nunes Marques, relator do caso, e será retomado na sessão de 28 deste mês. Já o ministro Edson Fachin sugeriu aguardar que o Plenário julgue o Tema 1.237 de repercussão geral.

A corte vai decidir se o Estado pode ser responsabilizado pela morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares quando a perícia que determina a origem do disparo for inconclusiva. Ainda não há data prevista para o julgamento do recurso.

No caso em julgamento pela 2ª Turma, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou pedido de indenização dos familiares da vítima por falta de prova de que a bala que a matou tenha sido disparada por policiais.

Os familiares contestaram a decisão no Supremo. Em sessão virtual, Nunes Marques votou para negar o recurso. Segundo o magistrado, para analisar se o projétil saiu ou não de arma de agente estatal seria preciso reexaminar provas, algo proibido pela Súmula 279 do STF.

Além disso, Marques destacou que não ficou demonstrado o nexo causal entre o ato ilícito e o dano causado aos particulares condição para estabelecer a responsabilidade objetiva do Estado, conforme os Temas 130 e 592 de repercussão geral.

Em voto-vista na sessão desta terça, Edson Fachin suscitou preliminar no sentido de devolver os autos ao TJ-RJ para que aguarde uma decisão no Tema 1.237.

Porém, Gilmar entendeu que era possível julgar o caso. O decano do STF apontou que "as operações policiais no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, são desproporcionalmente letais e sem controle".

"O Estado fere e mata diariamente seus cidadãos, especialmente em comunidades carentes. A definição da responsabilidade civil do Estado não pode desconsiderar esse aspecto", ponderou ele. Gilmar lembrou que o Supremo ordenou que o estado do Rio elabore plano de redução da letalidade policial (ADPF 635).

Em caso de operação policial com morte ou lesões a pessoas, cabe ao Estado, com medidas como câmeras e peritos, demonstrar que a operação foi legal e o dano não ocorreu por sua culpa, observou Gilmar. Afinal, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, como estabelece o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição.

Dessa maneira, o ministro votou para aceitar o recurso e condenar o estado do Rio a indenizar os familiares da vítima.

Nunes Marques, então, pediu que o julgamento seja concluído na próxima sessão da 2ª Turma, de forma que os ministros possam avaliar melhor os pontos levantados por Fachin e Gilmar. Ainda não votaram os ministros Ricardo Lewandowski e André Mendonça.

Repercussão geral
O caso que gerou o Tema 1.237 diz respeito à morte de um homem de 34 anos, em junho de 2015, atingido por projétil de arma de fogo dentro de casa, na comunidade de Manguinhos, no Rio, durante tiroteio entre moradores, militares do Exército e policiais militares.

A família moveu ação contra a União e o estado do Rio de Janeiro, mas o juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos morais, ressarcimento das despesas do funeral e pensão vitalícia. A decisão baseou-se na ausência de comprovação de que o disparo que causou a morte foi efetuado por militares do Exército.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) manteve a decisão. Segundo a corte, não há dados que vinculem o ocorrido à atuação dos militares da Força de Pacificação do Exército na comunidade, pois o laudo pericial foi inconclusivo quanto à origem do projétil.

Ainda de acordo com a decisão, também não ficou comprovada nenhuma conduta omissiva específica dos agentes públicos que configurasse a responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar.

No STF, a família argumentou que é totalmente desnecessária a discussão sobre a origem da bala que vitimou o morador, porque o Estado, de acordo com o parágrafo 6° do artigo 37 da Constituição Federal, responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes a terceiros.

Ao se manifestar pela repercussão geral do tema, o relator, ministro Edson Fachin, ressaltou que a matéria tratada no recurso ultrapassa os limites subjetivos do caso concreto, sobretudo diante dos números crescentes de mortes registrados em operações policiais, como consta do julgamento cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, de sua relatoria.

No precedente, o Supremo reconheceu a omissão estrutural do poder público na adoção de medidas para a redução da letalidade policial. Trecho do acórdão citado pelo ministro afirma que, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, o número de mortos por intervenção de agentes do Estado (que, em 2003, já chamava a atenção do Comitê de Direitos Humanos) continuou a subir.

Em 2019, foram registradas 1.810 mortes nessas situações. A manifestação do relator foi seguida por unanimidade pelos demais ministros da corte.

Fonte: ConJur

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