Regime de bens do CC/1916 pode ser alterado após fim de incapacidade civil
Em razão do princípio da autonomia privada, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível, na vigência do Código Civil de 2002, a modificação do regime patrimonial do casamento após a cessação da incapacidade civil de um dos cônjuges, mesmo que a união tenha se submetido à separação obrigatória de bens imposta pelo Código de 1916.
No caso em análise, um casal buscava modificar o regime do casamento para o de comunhão universal de bens. Eles se casaram em 1990, quando a mulher tinha 15 anos de idade, o que impôs o regime da separação obrigatória, por expressa determinação legal vigente à época.
O casal recorreu ao STJ após o juízo de primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo negarem o pedido, sob o fundamento de que não havia previsão legal para a alteração do regime.
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o Código Civil de 2002 trouxe importante alteração nesse tema ao permitir a modificação posterior do regime de bens do casamento (artigo 1.639, parágrafo 2º). Para isso, os cônjuges devem apresentar um pedido motivado, e não deve haver prejuízo aos direitos de terceiros, ficando preservados "os efeitos do ato jurídico perfeito do regime originário, expressamente ressalvados pelos artigos 2.035 e 2.039 do código atual".
Ao citar precedente da 4ª Turma, a magistrada ressaltou que a melhor interpretação do parágrafo 2º do artigo 1.639 é aquela segundo a qual não se deve "exigir dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes".
Razoabilidade e justiça
De acordo com a relatora, há manifestações doutrinárias no sentido de que, por questões de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa que impôs a separação obrigatória e a ausência de prejuízo ao cônjuge ou a terceiro permitem a alteração do regime de bens para a modalidade escolhida pelo casal.
Para a ministra, muito embora o casamento tenha sido celebrado na vigência do CC/1916 que impunha a imutabilidade do regime de bens e a adoção do regime da separação obrigatória, deve ser aplicado o novo Código Civil no que diz respeito à possibilidade de modificação posterior do regime adotado.
"No que tange ao exame da motivação do pedido de alteração do regime de bens, importa consignar que a cessação da incapacidade, com a consequente maturidade adquirida pela idade, faz desaparecer, definitivamente, o motivo justificador da proteção visada pela lei", argumentou a magistrada.
Nancy Andrighi verificou que o exame do processo em primeiro e segundo graus não identificou risco de danos a nenhum dos membros do casal, nem a terceiros, razão pela qual "há de ser preservada a vontade dos cônjuges, sob pena de violação de sua intimidade e vida privada".
A ministra observou, por fim, que a modificação do regime de bens só gera efeitos a partir da sua homologação, ficando regidas pelo regime anterior as situações passadas.
Fonte: ConJur