SP é condenado a indenizar mãe e irmã de morto por policial em R$ 237,6 mil
A responsabilidade objetiva estatal nos atos praticados pelos seus agentes, nas hipóteses de dolo ou culpa, conforme previsão da Constituição Federal, embasou duas sentenças que condenaram a Fazenda Pública de São Paulo por dano moral. As autoras das ações são a mãe e a irmã de um homem morto a tiro por um soldado da Polícia Militar durante abordagem. As indenizações foram fixadas em 100 e 80 salários mínimos (R$ 132 mil e a R$ 105,6 mil), respectivamente, para a mãe e a irmã da vítima.
O juiz Mauro Iuji Fukumoto, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, registrou nas sentenças ser incontroverso que o filho das requerentes morreu em decorrência de disparo de arma de fogo efetuado por policial militar. “Ainda que se analise, porém, a questão sob o prisma da responsabilidade subjetiva, como pretende a Fazenda, restará plenamente caracterizada a responsabilidade do ente público”.
O parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Com a aplicação da regra constitucional, Fukumoto afastou a tese sustentada pela Procuradoria-Geral do Estado.
As iniciais narraram que o familiar das autoras morreu devido a “desastrosa abordagem policial”. A PGE contestou, alegando que o soldado estava no exercício regular de sua função e agiu conforme se esperava naquela situação. A defesa atribuiu o desfecho trágico a suposta reação da vítima, que teria retirado uma das mãos do guidão da bicicleta que pedalava e a levado até a direção da cintura. Desarmado, o abordado trazia nessa parte do corpo o seu celular.
Nessa linha de raciocínio, a PGE sustentou a ocorrência de “culpa exclusiva” da vítima, o que isentaria o policial de responsabilidade. No entanto, caso não fosse esse o entendimento do julgador, a Procuradoria-Geral do Estado pleiteou o reconhecimento de “culpa concorrente” como causa do evento, o que implicaria na divisão do montante indenizatório, de acordo com o artigo 945 do Código Civil.
Em seus argumentos, ainda para afastar a responsabilidade objetiva do Estado, a PGE mencionou o cabimento para o caso da regra geral da responsabilidade subjetiva, prevista no artigo 186 do Código Civil. Segundo ela, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Relatório elaborado pela Polícia Militar concluiu que o disparo foi “acidental”. Conforme o documento, o soldado agiu com “imprudência e negligência”, porque, antes de desembarcar da viatura para abordar o suspeito, mesmo sendo destro, ele passou a pistola da mão direita para a esquerda com o fim de abrir a porta do veículo. Nesse momento, ocorreu o tiro, que atingiu o peito da vítima e provocou a sua morte no local.
Com base na apuração da própria PM, o juiz concluiu que a conduta do soldado se enquadra, em tese, no artigo 206 do Código Penal Militar. Desse modo, ele julgou procedente a ação cível. “Responde o Estado, pois, pelo ato culposo de seu agente, independentemente da apuração na esfera criminal. Devida, pois, indenização por dano moral”. Em relação à lesão extrapatrimonial, o julgador observou ser desnecessária prova de sua ocorrência, “que se depreende da situação fática vivenciada”.
Sobre os valores das indenizações, o juiz anotou nas sentenças que, em se tratando da morte de filho e irmão, “nas circunstâncias em que ocorreu”, se mostram razoáveis as quantias de R$ 132 mil e a R$ 105,6 mil, respectivamente, para a mãe e a irmã da vítima. O homem morto trabalhava como auxiliar de serviços gerais e tinha 35 anos de idade. O homicídio aconteceu em Campinas, no dia 5 de janeiro de 2023.
As ações foram ajuizadas em 28 de abril, sendo as sentenças prolatadas no dia 1º de novembro. Por entender desnecessária a produção de outras provas, além daqueles juntadas nas iniciais e contestações, Fukumoto antecipou o julgamento das lides amparado pelo artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. A Fazenda estadual ainda foi condenada a arcar com os honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre os valores das condenações. Ela recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
Fonte: ConJur