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STJ nega permanência de quiosques na calçada sem autorização

Apesar de ocuparem lugar menos prestigiado no imaginário popular e nos orçamentos públicos do que praças, pontes e jardins, as calçadas exercem papel indispensável no planejamento das cidades. Integrantes da família dos bens públicos, como previsto no artigo 99, inciso I, do Código Civil, as calçadas são de todos, mas isso não significa que nelas seja permitida a livre ocupação e edificação: ao contrário, é dever comum dos entes públicos e dos particulares garantir a livre circulação nesses espaços.

As considerações foram feitas pelo ministro Herman Benjamin em julgamento no qual a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de forma unânime, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DF) que considerou legítima a ação do poder público ao interditar três quiosques comerciais instalados em calçadas na região administrativa de Taguatinga.

Relator do recurso especial, Herman Benjamin comentou que, em um país
marcado por favelas e por pessoas vivendo ao relento, poderia soar
irrealista esperar que o Judiciário se preocupasse com a proteção das
calçadas. Essa visão, segundo o ministro, é equivocada, pois o
verdadeiro juiz se revela ao decidir questões jurídicas que, embora
pareçam relacionadas a dificuldades do presente ou a concepções
obsoletas do passado, se projetam sobre as gerações futuras.

"E, não é segredo, calçadas e cidades do amanhã se formam no seio do caos urbano da nossa época, mesmo que ainda não passem de esqueletos imperfeitos à espera, mais adiante, de corpo imaginado ou de destino prometido pela Constituição e pelas leis. Essa exatamente a expectativa que o Estatuto da Cidade deposita se faltar ou falhar ação administrativa ou sobrar cobiça individual no Judiciário brasileiro, ao prescrever que a política urbana deve garantir o 'direito a cidades sustentáveis', em favor das 'presentes e futuras gerações'", resumiu o ministro.

De inexistente a indispensável
No recurso contra a decisão do TJ-DF, os comerciantes alegaram que pagavam tributos e ocupavam a área na justa expectativa de que a situação fosse regularizada pelo poder público, com a concessão de licença de funcionamento motivo pelo qual a eventual demolição dos quiosques seria desproporcional e desarrazoada.

Ao analisar o
caso, o ministro Herman Benjamin apontou que o espaço em discussão é
inequivocamente de uso público e, além disso, tanto a ocupação como a
atividade comercial careciam de aprovação estatal, por ausência de
licitação e licenciamento.

Segundo o relator, em cidades tomadas
por veículos, as calçadas integram o mínimo existencial de espaço
público dos pedestres, que constituem a maioria da população. No Estado
Social de Direito, apontou, o ato de se deslocar a pé em segurança e com
conforto qualifica-se como direito de todos.

Em seu voto, o
ministro traçou um panorama histórico sobre a transformação das
calçadas, que saíram da classificação de artigo inexistente ou supérfluo
mesmo nas maiores cidades do mundo para se tornarem item indispensável
no planejamento urbano, pelo seu papel na segurança, no lazer, na
estética e na arborização.

Embora tenham inquestionável relevância na qualidade de vida das pessoas, Herman Benjamin lembrou que as calçadas, ao contrário de outros equipamentos urbanos, são espaços públicos costumeiramente desvalorizados pela população.

Mau exemplo
Sob a ótica da legislação, o ministro ponderou que o fato de o Código
Civil caracterizar as calçadas como bens de uso comum do povo não
implica, à luz da função social da propriedade urbana, isentar
automaticamente o particular do ônus de preservá-las e até de
construí-las na extensão correspondente ao seu imóvel, como previsto na
Lei 6.766/1979. De igual forma, disse, o poder público tem o dever de
zelar, solidariamente, pela existência e pela qualidade das calçadas.

Além
disso, o relator observou que o Código de Trânsito Brasileiro prevê
multa para quem estacionar ou simplesmente parar o veículo sobre os
passeios. Para o ministro, seria ilógico estabelecer punição para os
veículos que param nesses locais e admitir sua ocupação ilícita e
permanente para fins comerciais ou para construções privadas.

"Na hipótese dos autos, o que se vê, na capital da República, é exemplo (o pior possível para o resto do Brasil) de brutal apropriação de calçadas para usos particulares destituídos de função ou benefício social, atributo inseparável da classe dos bens públicos", afirmou.

Confiança na impunidade
Herman Benjamin lembrou que, para a jurisprudência do STJ, a ninguém é
lícito ocupar espaço público, exceto se estritamente de acordo com a lei
e após procedimento administrativo regular. Por isso, se o apossamento
do espaço público urbano ocorre de forma ilegal, o ministro apontou que
incumbe à administração, sob o risco de cometimento de improbidade e
infração disciplinar, desocupá-lo e demolir eventuais construções
irregulares.

Ao manter o acórdão do TJ-DF, o relator ainda lembrou
que o princípio da confiança não pode ser invocado por quem, assumindo
os riscos de sua conduta, ocupa ou usa irregularmente bem público, sendo
irrelevante o pagamento de impostos e outros encargos durante a
ocupação, pois a prestação pecuniária não substitui a licitação e o
licenciamento.

Nesses casos, declarou, o que se tem é "confiança na impunidade, confiança derivada da impunidade e confiança que fomenta a impunidade, exatamente a perversão da ordem democrática de direito". Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Fonte: ConJur

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